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11.10.13

Conversa às portas da guerra

Conversa mantida no salão de uma família nobre inglesa, nos inícios do século XX, envolvendo diversos intervenientes, de diferentes países e que à hora do café discutem entre si temas da política internacional.

Fitz (conde inglês - anfitrião) - Agora ouvimos o mundo a falar de guerra entre os nossos países. Será semelhante tragédia de facto possível?
Walter respondeu-lhe: - Se pelo facto de se falar em guerra é suficiente para a provocar, então sim, iremos combater pois toda a gente se está a preparar para isso. Mas haverá um verdadeiro motivo para isso? Não me parece.
Gus Dewar (jovem americano) levantou uma mão hesitante. (…) Nesse momento disse: - A Grã-Bretanha e a Alemanha têm imensos motivos para entrar em conflito.
Walter virou-se para ele. – Não se importa de me dar um exemplo?
Gus soltou uma baforada do charuto. – Rivalidade naval.
Walter assentiu com a cabeça. O meu Kaiser não acredita que exista uma lei ditada por Deus que diga que a marinha alemã deva permanecer para sempre numa posição inferior á britânica. (…)
Walter prosseguiu: - Isto foi motivo de fricção no passado, mas há já dois anos que temos um acordo informal no que se refere à dimensão das nossas marinhas.
Dewar insistiu: - Então, e o que me diz da rivalidade económica?
Walter - Não há dúvida que a Alemanha está a ficar mais próspera e é bem possível que em breve apanhe a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.
- Mas porque haveria isso de constituir um problema? A Alemanha é um dos melhores clientes da Grã-Bretanha, quanto mais tivermos para gastar mais compramos!
Dewar fez nova tentativa: - consta que a Alemanha deseja obter mais colónias.
Walter ripostou: - Já houve guerras por causa das colónias contudo, hoje em dia parecemos estar em condições de resolver este género de questiúnculas sem disparar armas. Se seguirmos este rumo não iremos entrar em guerra.
Dewar indagou: - Seria capaz de me perdoar se eu usasse a expressão “militarismo alemão”?
Walter continuou: - Os Prussianos possuem uma forte tradição militar, mas não entram em guerra sem um motivo que o justifique.
Dewar disse em tom muito cético: - Então a Alemanha não é agressiva?
Muito pelo contrário – retorquiu Walter. – Garanto-lhe que a Alemanha é a única grande potência na Europa ocidental que não é agressiva.
Ouviu-se um murmúrio de surpresa em redor da mesa.(…) os modos perfeitos e o tom amável de Walter atenuaram o seu discurso provocador.
- Consideremos a Áustria – prosseguiu. O meu primo vienense Robert, não irá seguramente negar que o Império Austro-Húngaro gostaria de alargar as fronteiras para Sudeste para a região que os Britânicos designam de Balcãs e que se encontram instáveis desde que o império otomano se desmembrou. O imperador austríaco acredita que é seu dever sagrado manter a ordem e a religião cristã na zona.
- Sem dúvida – corroborou Walter. – O problema é que a Rússia também ambiciona os territórios balcânicos.
- Eles têm boas razões para tal, disse Fitz, metade do comércio russo atravessa o Mar negro. A Rússia não pode permitir que nenhuma outra potência domine os territórios no leste dos Balcãs. Seria equivalente a colocar uma corda no pescoço da economia russa.
- Nem mais - ecoou Walter. – Ao virar a sua atenção para a extremidade ocidental da Europa, a França tem intenções de despojar a Alemanha dos territórios da Alsácia e da Lorena.
Este comentário suscitou a indignação do convidado francês - roubados à França há 43 anos!
(…) Roubadas ou não admite que actualmente a França pretende reaver essas províncias.
- Naturalmente disse o francês.
Walter insistiu: - Se até a Itália gostaria de retirar à Áustria os territórios de Trentino…
- Onde a grande maioria da população fala italiano – ripostou o senhor Falli.
Walter disse então: - Mas que novos territórios reivindica a Alemanha? – Olhou em redor da mesa mas não obteve resposta.
- Nenhum, concluiu em tom de triunfo. – E a única outra grande potência europeia que se pode gabar do mesmo é a Grã-Bretanha!
Walter rematou: - Então meu velho amigo Fitz, haveríamos nós algum dia de entrar em guerra?

Ken Follett, Trilogia o Século, livro 1, A queda dos gigantes.

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